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OPINIÃO: Com olhos de amor do tempo antigo

Família da classe média do interior gaúcho. Pai comerciário. Caçador de perdizes. Dono de um carro antigo. Um velho Ford "de bigode". Mãe professora de piano e dona de casa. Três filhos pequenos. Duas gurias e um piá. Durante as férias viajavam para a pequena cidade de Cacequi. Estrada de chão batido. Mar de lama quando chovia. O valente Ford atolava. O pai descia. Botava correntes ao redor dos pneus. A mãe puxava a cortina de couro das janelas. As três crianças encolhidas no banco traseiro. Frio de renguear cusco. Chuva inclemente. Chegavam ao destino horas depois.

Passar alguns dias na "casa" do irmão do pai. Na realidade, uma hospedaria. No recinto da estação ferroviária. Abrigava passageiros do trem. Dava comida. Servia lanches. Os irmãos maiores toleravam essas "férias". A menor das gurias detestava. Ficava olhando aquela gente estranha. Velhos gaúchos pilchados. Fumando palheiro. Tomando seu gole de cachaça. Chimarreando. Comendo o prato feito que a tia servia aos hóspedes. Enquanto a mãe ajudava na cozinha. E o pai conversava fiado. A menina odiava sobretudo o corvo. Sim, um corvo de estimação! Que ficava pousado na janela da cozinha.

O corvo ficava esperando tripas de galinha. Restos de carne dos pratos. Vísceras. O corvo saía caminhando entre as mesas. Festejado pelos hóspedes. Orgulho do tio. Que acariciava o pescoço pelado do corvo. Que crocitava, agradecido. Introspectiva nos seus oito anos, a menina ficava olhando aquilo. Com seus olhos de espanto. Além do asco pelo corvo, ficava comparando o tratamento que recebia. Os tios davam mais atenção ao corvo do que a ela.

Esta cena jamais sairia da sua memória. Para o resto da vida. Vida que ela continua a olhar com seus grandes e lindos olhos. Agora, não mais de espanto. Mas de encantamento. Do alto da Galeria do Comércio, onde mora com o marido, só contempla passarinhos coloridos do pátio da casa do Dr. Mariano. Os morros da cidade. As torres da catedral. As nuvens que passam formando desenhos lindos. E o bonito morro da Caturrita. Com as antenas da TV. Seus olhos lindos aguardam os netos que chegam para visitas. O corvo ficou sepultado no passado. O marido septuagenário ainda a olha com olhos de adolescente. Olhos de amor do tempo antigo. De amor para sempre.

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